Cantos
Urbanos
Por Thiago Damasceno
Antes
de contar especificadamente sobre nosso primeiro álbum, gravado e lançado de
forma independente e disponível de forma gratuita pra download, é preciso que
eu faça uma pequena apresentação da dupla Viajante Clandestino, apresentação
que se mesclará com a história da criação de “Cantos Urbanos”.
Em 2004, estudando no Instituto
Batista de Carolina, não pensei que Heitor, até então apenas um colega de
colégio desde o jardim de infância, fosse se juntar a mim pra compor e gravar
músicas. Fazíamos a 7ª série (atual 8º ano) naquele ano e ele já estava
aprendendo a tocar violão, além de exercitar a estranha mania adolescente de
escrever trechos das letras da Legião Urbana na sua surrada calça do uniforme
escolar, seguindo o exemplo de nosso amigo conhecido como Rezende, farinha
musical do mesmo saco. Dois anos depois, em colégios separados, comecei a
aprender violão e fui logo compondo minhas primeiras músicas. Parcerias minhas
com os dois mencionados também surgiram. Éramos adolescentes magrelos
esbanjando criatividade.
Idas em Brasília e Goiânia no ano de
2008 pra fazer provas de vestibulares começaram a me colocar em contato com a
típica e batida sensação de solidão das cidades grandes. Com essa inspiração,
escrevi a letra de Cidades Solitárias,
faixa 04 do álbum. Voltando pra Carolina-MA, nossa terra natal, Heitor a
musicou e fez seu arranjo básico no violão, uma batida rock irregular. Pra
gravar, fiz pequenas alterações na letra.
Quilômetros
separam nossas bocas, entre nós, cidades solitárias
(Milhões
de vozes caladas, poucos se arriscam a falar)
2009 veio com mudanças: fomos embora
de nossa pequena e semipacata cidade natal. Heitor foi pra Brasília e eu vim
pra Goiânia. A amizade se fortaleceu mais com a distância e quando nos
encontramos em Carolina nas férias de julho, absorvi todo aquele clima de
praia, adolescência, romance, existencialismo, aventuras e euforia e escrevi a
letra de Veraneio. Arranjamos e
musicamos juntos. Não mudamos quase nada de sua estrutura até a gravação
definitiva. Há tempos estava feita a canção mais bucólica do álbum.
O
azul do céu e a areia chamam pra aventura
Tem
sol nas cabeças e calor nas noites de Lua
Tantas
doutrinas pra seguir e nenhum santo ajuda
Será
que vamos resistir até o final, quando o inverno voltar?
Sim, resistimos e continuamos a
compor. Criei Vida de Cão observando
a rotina dos trabalhadores e estudantes goianienses. Mandei uma demo pra
Heitor. Era um hardcore, mas pro
álbum pensamos em dar outro ritmo a ela. Também aumentei sua letra. Quanto ao
ritmo, pensei no ska, que combinaria
com o tom crítico e humorístico da letra. Heitor tocou e gravou com
brilhantismo.
Acordar bem cedo para
trabalhar
e viajar no conforto de
ônibus sufocantes...
Tudo vai indo mal, pelo
menos tem carnaval...
Vida de cão! Vida de
cão! Vida de cão!
Na época da composição de Vida de Cão eu fazia cursinho, mas nem
só o social ocupava a minha mente juvenil. Certo dia uma colega de sala, por quem
eu tinha muito afeto, faltou. Sentimental
e exagerado como sou, fiquei arrasado. Era importante que conversássemos todos
os dias e que desfrutássemos das muitas possibilidades. Assim que cheguei em casa
fui direto ao silêncio do meu quarto e comecei a escrever os seguintes versos:
Um
velho silêncio cai sobre a casa no ritmo da tua ausência
O que escrevi em seguida era péssimo,
mas meses antes de gravar o álbum e sendo um “versador poetizado” muito mais
sofisticado, reescrevi a letra.
Um
velho silêncio cai sobre a casa no ritmo da tua ausência
Sala vazia, quarto
fechado, paredes de indiferença...
Pela cama ainda estão
espalhados os nossos últimos abraços...
E quando você chegar eu
ficarei em paz, enfim o repouso no teu corpo
Pode vir desabafar, sei
que vou perceber cada marca nova no teu rosto
Misturei o que sentia com um pouco de
ficção. O resultado foi a canção mais lírica do álbum e com o arranjo de violão
mais caprichado. Creio que Heitor o fez tendo como base as canções acústicas do
Jethro Tull, mas ele inventou muita coisa e pode até discordar do que digo.
Lembro como se fosse amanhã dele dizendo, seriamente: “Peraí, vamo arranjar ela
direito”. Sabe como é, as demos que eu mandava pra ele não eram umas
maravilhas...
Entramos na vida universitária em
2010, mesmo curso, mas em instituições diferentes. A História nos deu uma
bagagem cultural maior. Me mostrou um dos amores da minha vida logo no primeiro
ano de curso. Um amor que hoje já perdi, mas que já havia pensado nisso... Pensei
em como seria o fim do nosso relacionamento e dei à luz a refinada Eterno Retorno.
Sente
aqui do meu lado, apague a luz de fora e feche a porta ao entrar
Comece
com algo que não me seduz, pois temos muito o que conversar...
Entre
nós existe muito mais que uma história pra contar
Gravei uma demo dela, primeiramente,
no ritmo pop rock. Depois vi que ela era intimista e pedia uma levada de bossa
nova. Heitor melhorou sua levada se inspirando nos sambas-bossas de Chico
Buarque. Mas nem só eu compus coisas sob a influência de paixões avassaladoras...
Por volta de março e abril de 2011
Heitor me mandou a demo de O Que Diziam
Nossos Pais, que virou depois Como
Diziam Nossos Pais, por causa de uma brincadeira cretina minha dizendo que
ele havia plagiado Como Nossos Pais,
do grande Belchior. Brincamos tanto com isso que acabamos registrando a letra
com o nome “errado”. Basicamente, ela fala sobre um relacionamento que começa a
amadurecer. A levada, um folk bem carinhoso.
Já
faz um tempo e eu não preciso mais de desculpas pra te ver,
temos
mil planos pra compartilhar e reescrever...
Pra
lembrar que você é a melhor parte dos meus dias
pra
lembrar que você é a palavra mais bonita pra escrever numa canção...
É... As garotas sempre nos
inspiraram... “Despertaram a minha veia poética”, como disse o poço sem fim de
criatividade, Bob Dylan.
Heitor veio com um sentimento
diferente na demo Capitu, que era
sobre despedida. Capitu também tinha
uma versão instrumental, que por insistência minha, cresceu. Escolhemos gravar
a versão instrumental com o nome O Último
Adeus, pra encerrar o álbum, mas Seguir
Viagem soou melhor. Estávamos acabando o álbum, indo embora, mas era uma
viagem, então logo voltaríamos.
E voltamos (neste blog, por exemplo),
mas antes precisávamos dizer que vimos de outro lugar, de longe. Então em 27 de
março Heitor me envia a demo da canção que é uma das bases conceituais do
álbum: Eu Vim de Longe, com uma
levada folk rock bem viajante.
Eu
vim de longe, eu não sou desse lugar
Saí
de perto dos meus pais pra ver dos sonhos o que a vida pode realizar
Vivia
onde o Sol dava bem mais calor
Água
correndo pelo rio é o que separa um estado do outro
Falou sobre nossa terra natal, na
divisa com o estado do Tocantins, separada deste por um rio também chamado
Tocantins. Eu Vim de Longe lembra, de
certa forma, Veraneio, pois ambas
representam o chão onde tudo começou. O rio juvenil das duas deságua em Geração
Coca Zero.
Sobraram
as cinzas que o vento veio soprar
Derrubaram
o Muro, ficou tudo no mesmo lugar
Convidaram
a China, o Ocidente não sabe esperar
(Há)
A calma depois da tempestade se a Tsunami não voltar
Onde
deixaram as chaves do carro?
Quais
são as cores da bandeira global?
Tanto
céu, tantas nuvens, pouca constelação
Escrevi a letra pensando em globalização
e na sua falsa interação e na ausência (ou presença de velharias) de
bandeiras/ideologias pra nossa juventude. Gravei a demo dela bem pop rock,
porém, vimos que era melhor transformá-la num folk rock e pra lembrar que
aprendemos a tocar em banda de rock de garagem (a lendária Blackout), chamamos
nosso amigo, antigo companheiro de banda e mais lunático que nós dois, Orleans
Silva, pra enfeitar a canção com sua guitarra distorcida. Após ouvir toda a
gravação, entendi porque o som da guitarra é rebelde. Ele esconde uma fúria
implacável dentro de si. O timbre e a quantidade de vezes que Orleans gravou a
guitarra acertou a base acústica da canção como uma tsunami.
Já estava chegando dezembro de 2011 e
eu e Heitor trocamos e-mails discutindo sobre possibilidades de gravações em
Carolina, durante as férias, assim como apresentações nos barzinhos noturnos,
mas tudo era incerto. De qualquer modo, vi que precisávamos de um hit bem forte, algo com uma letra
concisa e com uma melodia que grudasse na cabeça que nem uma cefaleia crônica. Era
um domingo à tarde goianiense quando sentei em frente ao computador tendo em
mente algumas experiências de vida com amigos e o livro On The Road – Pé na Estrada, de Jack Kerouac, (apelidado de “A
Bíblia Hippie”) que compus Andarilho Noturno:
Lá
vai a Lua, tão escura, tão carregada de solidão
Vou
eu andando na amargura
Bebendo
vinho na contramão
Não
vou aguentar ficar sozinho não
Se
você passar, pro favor, me leve pra onde você for
Eu
preciso mesmo é viajar!
Pensei numa levada country-rock pra
ela, como algumas músicas do mestre Raul, e mais uma vez, acertamos. Gravei
violão, voz e meia-lua e Heitor se encarregou do cajon, baixo e gaita. Além do que, sua ideia casou perfeitamente
com a ideia de Eu Vim de Longe. Pronto!
A última canção criada seria a primeira do álbum. Em alguns dias percebi que
havia uma ideologia por trás de todas aquelas canções feitas entre 2009 e 2011,
época em que mudamos de cidade, crescemos, choramos, rimos, amamos, fomos
amados, nos alegramos, sentimos saudade, nos decepcionamos e ficamos
satisfeitos e também insatisfeitos. Estava pronto “Cantos Urbanos”, um grito
cantado sobre parte da nossa miscelânica juventude.
Faltava o crucial pra dupla, o nome...
Que de forma nenhuma poderia lembrar uma típica dupla sertaneja, como Heitor
& Thiago. Sendo o rock a nossa base, precisávamos de algo mais sério e
perigoso. Essa era a palavra mais dita por mim na época, “perigoso”... “Heitor,
a arte tem que ser perigosa!”.
Pensamos em Supernova, mas já existia
uma banda com esse nome. Nessa ideia de viagens, pensei em algo com
“clandestino”, lembrando uma lendária banda de rock de Carolina chamada
Cemitério Clandestino, cujos integrantes iam de madrugada ao cemitério da
cidade pra tocar violão. Pensei em Passageiro Clandestino,
mas já existia. Heitor cogitou Imigrante Clandestino, mas era muito exagerado.
Viajante Clandestino soou melhor. Até cogitamos Viajante Nordestino, mas
Viajante Clandestino soava (e soa) mais perigoso e universal, pois a viagem
pode ser qualquer uma e em qualquer lugar você pode ser clandestino.
Assim, entre dezembro de 2011 e
fevereiro de 2012 gravamos e lançamos o álbum “Viajante Clandestino - Cantos
Urbanos” de forma independente, incluindo alguns clipes. Heitor se mostrou um
verdadeiro músico, letrista, compositor e arranjador. Vi que eu era um legítimo
letrista e compositor. Também sempre lembro da colaboração de parentes e
amigos, destacando nosso velho amigo Gleidson, tecladista da primeira formação
da Blackout, que nos emprestou uma mesa de som sem a qual, as gravações não
teriam sido feitas com uma excelente qualidade pra um álbum caseiro. A outros
amigos e demais entes queridos, agradecemos pessoalmente e inúmeras vezes e
eles sabem da eterna dívida que temos com eles.
Sem mais papo, aprecie essa viagem
chamada “Cantos Urbanos”. Logo abaixo, o link pra download do álbum. Nas
postagens anteriores, todos os clipes das músicas do álbum. Nas postagens
futuras, textos sobre as músicas e lançamentos.
Abraços e não esqueçam que a estrada é a vida!