domingo, 19 de agosto de 2012

Álbum/Apresentação: Cantos Urbanos


Cantos Urbanos

Por Thiago Damasceno



          Antes de contar especificadamente sobre nosso primeiro álbum, gravado e lançado de forma independente e disponível de forma gratuita pra download, é preciso que eu faça uma pequena apresentação da dupla Viajante Clandestino, apresentação que se mesclará com a história da criação de “Cantos Urbanos”.  

Em 2004, estudando no Instituto Batista de Carolina, não pensei que Heitor, até então apenas um colega de colégio desde o jardim de infância, fosse se juntar a mim pra compor e gravar músicas. Fazíamos a 7ª série (atual 8º ano) naquele ano e ele já estava aprendendo a tocar violão, além de exercitar a estranha mania adolescente de escrever trechos das letras da Legião Urbana na sua surrada calça do uniforme escolar, seguindo o exemplo de nosso amigo conhecido como Rezende, farinha musical do mesmo saco. Dois anos depois, em colégios separados, comecei a aprender violão e fui logo compondo minhas primeiras músicas. Parcerias minhas com os dois mencionados também surgiram. Éramos adolescentes magrelos esbanjando criatividade.

Idas em Brasília e Goiânia no ano de 2008 pra fazer provas de vestibulares começaram a me colocar em contato com a típica e batida sensação de solidão das cidades grandes. Com essa inspiração, escrevi a letra de Cidades Solitárias, faixa 04 do álbum. Voltando pra Carolina-MA, nossa terra natal, Heitor a musicou e fez seu arranjo básico no violão, uma batida rock irregular. Pra gravar, fiz pequenas alterações na letra.

Quilômetros separam nossas bocas, entre nós, cidades solitárias
(Milhões de vozes caladas, poucos se arriscam a falar)

            2009 veio com mudanças: fomos embora de nossa pequena e semipacata cidade natal. Heitor foi pra Brasília e eu vim pra Goiânia. A amizade se fortaleceu mais com a distância e quando nos encontramos em Carolina nas férias de julho, absorvi todo aquele clima de praia, adolescência, romance, existencialismo, aventuras e euforia e escrevi a letra de Veraneio. Arranjamos e musicamos juntos. Não mudamos quase nada de sua estrutura até a gravação definitiva. Há tempos estava feita a canção mais bucólica do álbum.

            O azul do céu e a areia chamam pra aventura
Tem sol nas cabeças e calor nas noites de Lua
Tantas doutrinas pra seguir e nenhum santo ajuda
Será que vamos resistir até o final, quando o inverno voltar?


Sim, resistimos e continuamos a compor. Criei Vida de Cão observando a rotina dos trabalhadores e estudantes goianienses. Mandei uma demo pra Heitor. Era um hardcore, mas pro álbum pensamos em dar outro ritmo a ela. Também aumentei sua letra. Quanto ao ritmo, pensei no ska, que combinaria com o tom crítico e humorístico da letra. Heitor tocou e gravou com brilhantismo.

Acordar bem cedo para trabalhar
e viajar no conforto de ônibus sufocantes...

Tudo vai indo mal, pelo menos tem carnaval...

Vida de cão! Vida de cão! Vida de cão!

Na época da composição de Vida de Cão eu fazia cursinho, mas nem só o social ocupava a minha mente juvenil. Certo dia uma colega de sala, por quem eu tinha muito afeto, faltou.  Sentimental e exagerado como sou, fiquei arrasado. Era importante que conversássemos todos os dias e que desfrutássemos das muitas possibilidades. Assim que cheguei em casa fui direto ao silêncio do meu quarto e comecei a escrever os seguintes versos:

Um velho silêncio cai sobre a casa no ritmo da tua ausência

O que escrevi em seguida era péssimo, mas meses antes de gravar o álbum e sendo um “versador poetizado” muito mais sofisticado, reescrevi a letra.

Um velho silêncio cai sobre a casa no ritmo da tua ausência
Sala vazia, quarto fechado, paredes de indiferença...

Pela cama ainda estão espalhados os nossos últimos abraços...

E quando você chegar eu ficarei em paz, enfim o repouso no teu corpo
Pode vir desabafar, sei que vou perceber cada marca nova no teu rosto

Misturei o que sentia com um pouco de ficção. O resultado foi a canção mais lírica do álbum e com o arranjo de violão mais caprichado. Creio que Heitor o fez tendo como base as canções acústicas do Jethro Tull, mas ele inventou muita coisa e pode até discordar do que digo. Lembro como se fosse amanhã dele dizendo, seriamente: “Peraí, vamo arranjar ela direito”. Sabe como é, as demos que eu mandava pra ele não eram umas maravilhas...

Entramos na vida universitária em 2010, mesmo curso, mas em instituições diferentes. A História nos deu uma bagagem cultural maior. Me mostrou um dos amores da minha vida logo no primeiro ano de curso. Um amor que hoje já perdi, mas que já havia pensado nisso... Pensei em como seria o fim do nosso relacionamento e dei à luz a refinada Eterno Retorno.

Sente aqui do meu lado, apague a luz de fora e feche a porta ao entrar
Comece com algo que não me seduz, pois temos muito o que conversar...

Entre nós existe muito mais que uma história pra contar

Gravei uma demo dela, primeiramente, no ritmo pop rock. Depois vi que ela era intimista e pedia uma levada de bossa nova. Heitor melhorou sua levada se inspirando nos sambas-bossas de Chico Buarque. Mas nem só eu compus coisas sob a influência de paixões avassaladoras...

Por volta de março e abril de 2011 Heitor me mandou a demo de O Que Diziam Nossos Pais, que virou depois Como Diziam Nossos Pais, por causa de uma brincadeira cretina minha dizendo que ele havia plagiado Como Nossos Pais, do grande Belchior. Brincamos tanto com isso que acabamos registrando a letra com o nome “errado”. Basicamente, ela fala sobre um relacionamento que começa a amadurecer. A levada, um folk bem carinhoso.

Já faz um tempo e eu não preciso mais de desculpas pra te ver,
temos mil planos pra compartilhar e reescrever...
Pra lembrar que você é a melhor parte dos meus dias
pra lembrar que você é a palavra mais bonita pra escrever numa canção...

É... As garotas sempre nos inspiraram... “Despertaram a minha veia poética”, como disse o poço sem fim de criatividade, Bob Dylan.


Heitor veio com um sentimento diferente na demo Capitu, que era sobre despedida. Capitu também tinha uma versão instrumental, que por insistência minha, cresceu. Escolhemos gravar a versão instrumental com o nome O Último Adeus, pra encerrar o álbum, mas Seguir Viagem soou melhor. Estávamos acabando o álbum, indo embora, mas era uma viagem, então logo voltaríamos.

E voltamos (neste blog, por exemplo), mas antes precisávamos dizer que vimos de outro lugar, de longe. Então em 27 de março Heitor me envia a demo da canção que é uma das bases conceituais do álbum: Eu Vim de Longe, com uma levada folk rock bem viajante.

Eu vim de longe, eu não sou desse lugar
Saí de perto dos meus pais pra ver dos sonhos o que a vida pode realizar
Vivia onde o Sol dava bem mais calor
Água correndo pelo rio é o que separa um estado do outro



Falou sobre nossa terra natal, na divisa com o estado do Tocantins, separada deste por um rio também chamado Tocantins. Eu Vim de Longe lembra, de certa forma, Veraneio, pois ambas representam o chão onde tudo começou. O rio juvenil das duas deságua em Geração Coca Zero.

Sobraram as cinzas que o vento veio soprar
Derrubaram o Muro, ficou tudo no mesmo lugar
Convidaram a China, o Ocidente não sabe esperar
(Há) A calma depois da tempestade se a Tsunami não voltar

Onde deixaram as chaves do carro?
Quais são as cores da bandeira global?
Tanto céu, tantas nuvens, pouca constelação


Escrevi a letra pensando em globalização e na sua falsa interação e na ausência (ou presença de velharias) de bandeiras/ideologias pra nossa juventude. Gravei a demo dela bem pop rock, porém, vimos que era melhor transformá-la num folk rock e pra lembrar que aprendemos a tocar em banda de rock de garagem (a lendária Blackout), chamamos nosso amigo, antigo companheiro de banda e mais lunático que nós dois, Orleans Silva, pra enfeitar a canção com sua guitarra distorcida. Após ouvir toda a gravação, entendi porque o som da guitarra é rebelde. Ele esconde uma fúria implacável dentro de si. O timbre e a quantidade de vezes que Orleans gravou a guitarra acertou a base acústica da canção como uma tsunami.


Já estava chegando dezembro de 2011 e eu e Heitor trocamos e-mails discutindo sobre possibilidades de gravações em Carolina, durante as férias, assim como apresentações nos barzinhos noturnos, mas tudo era incerto. De qualquer modo, vi que precisávamos de um hit bem forte, algo com uma letra concisa e com uma melodia que grudasse na cabeça que nem uma cefaleia crônica. Era um domingo à tarde goianiense quando sentei em frente ao computador tendo em mente algumas experiências de vida com amigos e o livro On The Road – Pé na Estrada, de Jack Kerouac, (apelidado de “A Bíblia Hippie”) que compus Andarilho Noturno:

Lá vai a Lua, tão escura, tão carregada de solidão
Vou eu andando na amargura
Bebendo vinho na contramão

Não vou aguentar ficar sozinho não
Se você passar, pro favor, me leve pra onde você for
Eu preciso mesmo é viajar!


Pensei numa levada country-rock pra ela, como algumas músicas do mestre Raul, e mais uma vez, acertamos. Gravei violão, voz e meia-lua e Heitor se encarregou do cajon, baixo e gaita. Além do que, sua ideia casou perfeitamente com a ideia de Eu Vim de Longe. Pronto! A última canção criada seria a primeira do álbum. Em alguns dias percebi que havia uma ideologia por trás de todas aquelas canções feitas entre 2009 e 2011, época em que mudamos de cidade, crescemos, choramos, rimos, amamos, fomos amados, nos alegramos, sentimos saudade, nos decepcionamos e ficamos satisfeitos e também insatisfeitos. Estava pronto “Cantos Urbanos”, um grito cantado sobre parte da nossa miscelânica juventude.

Faltava o crucial pra dupla, o nome... Que de forma nenhuma poderia lembrar uma típica dupla sertaneja, como Heitor & Thiago. Sendo o rock a nossa base, precisávamos de algo mais sério e perigoso. Essa era a palavra mais dita por mim na época, “perigoso”... “Heitor, a arte tem que ser perigosa!”.

Pensamos em Supernova, mas já existia uma banda com esse nome. Nessa ideia de viagens, pensei em algo com “clandestino”, lembrando uma lendária banda de rock de Carolina chamada Cemitério Clandestino, cujos integrantes iam de madrugada ao cemitério da cidade pra tocar violão. Pensei em Passageiro Clandestino, mas já existia. Heitor cogitou Imigrante Clandestino, mas era muito exagerado. Viajante Clandestino soou melhor. Até cogitamos Viajante Nordestino, mas Viajante Clandestino soava (e soa) mais perigoso e universal, pois a viagem pode ser qualquer uma e em qualquer lugar você pode ser clandestino.


Assim, entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2012 gravamos e lançamos o álbum “Viajante Clandestino - Cantos Urbanos” de forma independente, incluindo alguns clipes. Heitor se mostrou um verdadeiro músico, letrista, compositor e arranjador. Vi que eu era um legítimo letrista e compositor. Também sempre lembro da colaboração de parentes e amigos, destacando nosso velho amigo Gleidson, tecladista da primeira formação da Blackout, que nos emprestou uma mesa de som sem a qual, as gravações não teriam sido feitas com uma excelente qualidade pra um álbum caseiro. A outros amigos e demais entes queridos, agradecemos pessoalmente e inúmeras vezes e eles sabem da eterna dívida que temos com eles.

Sem mais papo, aprecie essa viagem chamada “Cantos Urbanos”. Logo abaixo, o link pra download do álbum. Nas postagens anteriores, todos os clipes das músicas do álbum. Nas postagens futuras, textos sobre as músicas e lançamentos.

Abraços e não esqueçam que a estrada é a vida!









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